Mais de cem anos se passaram desde a época em que o Ceará era governado por coronéis e hoje ainda percebemos que o poder está nas mãos das ricas famílias cearenses. São inúmeras as demonstrações de abuso feitas por esses “nomes”, que fazem e desfazem leis, manipulam e determinam o governo, mandam e desmandam nas mais diferentes áreas sociais, políticas e econômicas. São pessoas que acham que o dinheiro pode tudo, mas que, de vez em quando, se deparam com pedras no meio de seus caminhos.
Uma recente demonstração de “coronelismo” puro pode ser conferida quase que diariamente nos grandes jornais fortalezenses. Um caso que envolveu dois estudantes do Colégio Santa Cecília foi o necessário para que uma das famílias de renome do estado do Ceará fosse aos meios de comunicação expor toda sua indignação por não ter suas determinações cumpridas, quer dizer, por se depararem com pedras em seus caminhos.
Um artigo publicado no dia 19 de março deste ano pelo Diário do Nordeste nos mostra claramente como é fácil apresentar para a opinião pública a “sua verdade”. O autor, “na condição de educador”, redige um belíssimo texto, utilizando impecáveis argumentos que, infelizmente, vão tentar justificar algo injustificável, ou melhor, algo que só o dinheiro vai justificar. Além de apoiar uma nota publicada anteriormente pelos pais de um dos estudantes envolvidos – já que também se coloca na “condição de avô” do garoto –, o escritor do artigo vai distorcer várias atitudes do Colégio Santa Cecília, tentando criar uma falsa imagem da escola em relação ao incidente. Não é novidade que os fatos foram modificados, conforme a própria escola já falou. O absurdo é ver pessoas que não irão ganhar nada com isso insistindo em prejudicar uma instituição de ensino séria que não satisfez um capricho desta família. É engraçado que o autor, justamente por ser educador, defenda uma posição de “condenação” do outro aluno. Hoje em dia é difícil as pessoas terem visões conservadoras assim e defenderem que basta jogar o problema para outro lugar, sem encará-lo de frente. É nessa visão de chutar os problemas que várias instituições – teoricamente – de ensino trabalham, sendo imagináveis os cidadãos que sairão de lá.
É de total ignorância da parte de quem tenta compreender o acontecido, tirar conclusões observando só um lado da moeda, não se esforçando nenhum pouco para apurar os fatos como um todo. Quem lê as notas publicadas pelos pais do garoto “vítima”, acredita plenamente que as coisas aconteceram da forma como eles dizem. Mas não se conhecer o Colégio Santa Cecília. Quem tiver o mínimo conhecimento do trabalho feito por esta escola, saberá, desde o princípio das publicações, que algo está errado naqueles textos. Se fosse uma estratégia publicitária, o marketing feito por esta “grande” família foi perfeito. O jogo de palavras utilizado – “atitude de violência despropositada e desproporcional” - foi tão bem combinado que assusta até quem sabe o que realmente aconteceu. Mas não se trata de produtos, e sim, de pessoas.
Outra questão que assusta, é a nota publicada no jornal, onde os pais expõem tudo que eles se recusaram a fazer e acusam a escola de ser omissa. “A falta de diálogo maior da escola com os pais do aluno agredido” só aconteceu porque estes últimos, indignados por não ter suas ordens cumpridas, se recusaram a conversar com a direção da escola, pedindo transferência imediata de seus filhos. Além disso, estes mesmos pais solicitaram que a briga entre os dois alunos fosse abafada pela escola, explodindo o caso, dias depois, em um grande jornal. Contraditório, não? Sem contar que, se o desejo dos pais fosse acatado e o “agressor” expulso, o diálogo com a família deste último aluno também inexistiria, já que a expulsão seria sumária. Se a situação fosse o contrário, será que essa posição seria aceita pelos que clamam por ela agora?
Se quando duas pessoas divergem, uma delas começa a disseminar falsos, a outra tem, no mínimo, o direito de se defender. Quando a mesma família aqui já citada passou a publicar fatos utilizando-se de um exagero absurdo e, por conseqüência, modificando-os, o Colégio Santa Cecília se manifestou e mostrou à opinião pública o real acontecido. Sem se satisfazer, a família voltou novamente a atacar escola, acusando-a de estabelecer estratégia ilegítima.
Em um ponto essa “família de renome” acertou, quando mostrou seu filho como vítima. Ele realmente é vítima, mas não do outro garoto, muito menos da escola. Ele é vítima de seus pais. Vítima por ter sido exposto dessa forma desnecessária. Vítima por fazer parte de um núcleo que pensa ser onipotente. Vítima por ter sido arrancado de seu círculo de amigos e de sua rotina. As maiores “cicatrizes psicológicas” que essa criança levará por toda sua vida foram e estão sendo acarretadas pelos pais. Todo o episódio poderia ser apenas um fato isolado na vida deste menino, afinal, quem nunca brigou na escola? Além disso, um aprendizado indispensável foi perdido, já que o garoto não teve a chance de enfrentar o problema de frente. Será que ele sempre vai poder correr para o braço dos pais ao ter um problema? E a autonomia, onde fica? É interessante ressaltar também que os direitos deste menino estão sendo violados com essa exagerada exposição, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente defende a preservação da imagem da criança e de sua integridade moral. E aí, será que as seqüelas foram causadas realmente pelo colégio e pelo “agressor”?
Quando nós, enquanto sociedade, vamos por fim a estes abusos? Quando toda nossa indignação vai se transformar em atitudes que dêem um basta ao “coronelismo”? É inaceitável que em pleno século XXI – tão citado por seus avanços tecnológicos -, ainda sejamos tão conformados com tudo que ocorre a nossa volta. E, se não começarmos a agir, o ciclo de coronéis vai continuar, e não é necessário alugar filmes históricos para saber como eles agem.
Raíssa Benevides Veloso e Camila Mont'Alverne Barreto de Paula Pessoa
quarta-feira, março 26, 2008
Coronelismo
Postado por
DigaLá
às
18:19
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Um comentário:
De fato a arquitetura do poder está presa aos modelos coronelistas, o uso da bancada política, dos títulos intelectuais e do capital foram bem desenhados através da venda do espaço na mídia, que estampou a queixa do poder contrariado: "Quem ousa me frustrar? Eu sou a lei?"
Mas também acho gravíssimo saber que as notícias tem preço, que eu, você e qualquer pessoa, com dinheiro, poderá anunciar suas "verdades", que a sociedade fica com fragmentos jornalísticos, escrito e falado, num discurso neoliberal que quer induzir o povo a uma mobilização emocional de altruísmo e de ética.
Fiquei chocada, como mãe, pela dramática exposição dos filhos, através da vaidade dos pais. Hoje rezo para que a bondade divina acomode o ódio e a vingança e ocorra a paz e a justiça.
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